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quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

A tragédia dos comuns

Em quase todo texto que postarei aqui, haverá uma menção a tragédia dos comuns. Se você não tem ideia do que seja, esse post é pra você.

A tragédia dos comuns, ou tragédia dos bens comuns, é uma teoria que explica porque bens públicos, ou seja, de todos (pense principalmente nas coisas da natureza, como rios, mares, lagos, parques, florestas) acabam sendo devastados e superexplorados.


Uma explicação simples está contida no livro Ação Humana, de Ludwig von Mises, nas páginas 748 e 749:


"Se a terra não tem dono, embora o formalismo jurídico possa qualificá-la de propriedade pública, as pessoas utilizam-na sem se importar com os inconvenientes de uma exploração predatória. Quem tiver condições de usufruir de suas vantagens – a madeira e a caça dos bosques, os peixes das extensões aquáticas e os depósitos minerais do subsolo – não se preocupará com os efeitos posteriores decorrentes do modo de exploração. Para essas pessoas, a erosão do solo, o esgotamento dos recursos exauríveis e qualquer outra redução da possibilidade de utilização futura são custos externos, não considerados nos cálculos pessoais de receita e despesa. Cortarão as árvores sem qualquer consideração para com as que ainda estão verdes ou para com o reflorestamento. Ao caçar e pescar não hesitarão em empregar métodos contrários à preservação das reservas de caça e pesca. Nos primórdios da civilização, quando ainda havia abundância de terras de qualidade não inferior à já utilizada, o uso de métodos predatórios era corrente. Quando a produtividade diminuía, o lavrador abandonava sua terra e se mudava para outro lugar. Só mais tarde, à medida que a população crescia e não havia mais disponibilidade de terra virgem de primeira classe, as pessoas começaram a considerar tais métodos predatórios um desperdício. Consolidava-se assim a instituição da propriedade privada da terra; a princípio, nas terras aráveis, e depois, passo a passo, estendendo-se aos pastos, às florestas, aos pesqueiros. As novas colônias de ultramar, especialmente os vastos espaços dos Estados Unidos, cujas fantásticas potencialidades agrícolas estavam praticamente intactas, quando lá chegaram os primeiros colonizadores, passaram pelos mesmos estágios. Até as últimas décadas do século XIX havia sempre uma zona geográfica aberta aos recém-chegados: a fronteira. Nem a existência dessas regiões inexploradas, nem o seu desaparecimento são peculiares à América. O que caracteriza as condições americanas é o fato de que, ao esgotarem-se as terras inexploradas, fatores institucionais e ideológicos impediram que os métodos de utilização da terra se ajustassem à nova circunstância.


Nas áreas centrais e ocidentais da Europa continental, onde a instituição da propriedade privada já estava firmemente estabelecida há muitos séculos, as coisas foram diferentes. Não houve erosão de solos já cultivados. Não houve devastação de florestas, apesar do fato de as florestas particulares terem sido, durante gerações, a única fonte de madeira para construção e mineração, e de combustível para as fundições e os fornos, para as cerâmicas e para as fábricas de vidro. Os proprietários dessas florestas foram impelidos a conservá-las movidos pelos seus próprios interesses egoístas. Nas áreas mais densamente habitadas e industrializadas, até alguns anos atrás, entre um quinto e um terço da superfície era ocupado por florestas de primeira classe administradas segundo os melhores métodos da tecnologia florestal."

A tragédia dos comuns pode explicar toda tragédia ambiental, como Mariana e Brumadinho. As mineradoras recebem uma concessão do governo para explorar determinado local por um determinado prazo. Como elas tem um tempo limitado para explorar aqueles recursos e tornar a mina lucrativa, elas tentam retirar a maior quantidade possível de minério visando aumentar seus lucros, sem se preocupar com as consequências de suas ações no local, uma vez que é incerto que ela continue explorando a mina após o vencimento do prazo de concessão. E como os rios, florestas e toda a natureza adjacente não tem donos propriamente ditos, ela não se importa com a poluição e destruição desses ambientes.

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sábado, 26 de janeiro de 2019

Até quando? A tragédia de um mecanismo mal desenhado

Por Cristiano Oliveira


Fonte: Estado de Minas
Diante das lamentáveis tragédias ambientais que vem ocorrendo na história recente do Brasil tenho observado uma busca por culpados. Embora infelizmente se note que pessoas tentem utilizar uma situação grave como esta em que várias vidas foram perdidas para benefício próprio e/ou político, acredito que a “culpa” é da nossa incapacidade de gerar os incentivos corretos para evitar que situações como esta ocorram. Enquanto isto não for mudado, tragédias como estas continuaram infelizmente ocorrendo. Mais uma vez a solução está na Análise Econômica do Direito, em especial, no livro indicado na foto.
De forma muito resumida existem 3 formas de evitar que crimes como estes ocorram.
1-Proibir a atividade econômica
2-Exigir uma licença prévia que preveja estruturas de precaução e ter um arcabouço regulatório que exija ações de precaução
3-Responsabilidade pela negligência ou responsabilidade total
A opção 1 é a mais radical e gera perdas de bem-estar, pois, a atividade econômica gera emprego, renda e lucro, que aliás, não é um pecado. Nesse momento, cabe salientar, que estes eventos não ocorrem porque empresas maximizam lucros. Toda empresa maximiza lucro. Todos os indivíduos maximizam os seu bem-estar, mesmo quando são altruístas. Repito: o problema está nos incentivos mal desenhados.
A opção 2 é mais comum. Todavia, não podemos esquecer que o nível de precaução é algo dinâmico. A empresa pode até prever em seu projeto estruturas e ações que garantam a precaução, mas, nada garante que estas ações serão mantidas após a obtenção da licença ou que a estrutura construída é suficiente. Pois, vale lembrar que os níveis de precaução são definidos por agentes estatais, que podem ser influenciados pelas empresas para que sejam muito baixos. Além disso, a fiscalização nem sempre é eficaz. Isto porque em algumas vezes os custos de monitoramento são muito altos e em outras vezes os agentes estatais são simplesmente corrompidos pelas empresas. Logo, é fácil observar que a opção 2 por definição é insuficiente para incentivar o nível de precaução ótimo. Em palavras mais simples, não perca o seu tempo culpando os fiscais, eles são agentes racionais que também reagem a incentivos e mudar os incentivos deles, não vai resolver o problema. A opção 2 é o mecanismo perfeito para proliferar a corrupção. Neste contexto, por estas razões, em geral, há uma combinação com a opção 3.
Quando a opção 2 e 3 são combinadas, a regra é a de negligência, ou seja, a empresa somente é responsável pelos danos se ela descumpriu alguma das regras que estabeleciam estruturas e ações de precaução. Caso ela tenha cumprido todas as exigências, não há responsabilização. Neste modelo, não há garantia de que o nível ótimo de precaução será atingido porque lembre que quem definiu estas regras é um agente estatal que provavelmente sofreu influência da própria empresa. Nesta situação fica no ar uma sensação de impunidade, mas, o judiciário normalmente apenas cumpre aquilo que esta previsto nas regras.
Neste contexto, existem algumas alternativas. A combinação das opções 2 e 3 podem até funcionar, mas, não com este modelo atual. A fiscalização estatal pode ser complementada/substituída por uma legislação que preveja whistleblowing e false claim act (procure no Google o que são estas instituições😉).
Do ponto de vista teórico a única forma de garantir o nível de precaução ótimo é a de responsabilidade total. A empresa é responsável por todo e qualquer dano causado por ela. E diante de um crime (de saúde pública, ambiental, etc..) a punição incluirá a indenização de todos os outros agentes prejudicados, multas por danos ao meio ambiente e algum tipo de punição aos responsáveis pela empresa, que pode inclusive prever algum tipo de pena de reclusão.
Com a responsabilidade total, as licenças prévias podem ser substituídas por um seguro obrigatório. Uma forma mais eficiente de se garantir o nível de precaução ótimo, uma vez, que a negligência identificada por uma empresa privada (de seguros) resultaria em pagamentos mais altos pelo seguro.
É claro que para que a responsabilidade total funcione é necessário um judiciário eficiente. Acredito que isto é mais factível do que seguir com este modelo de Estado interventor, em que são exigidas licenças prévias complementadas com fiscalização. Não acredito que o executivo (Estado) seja capaz de fazer isso como a sociedade espera, uma vez que podemos observar muitos exemplos da sua incapacidade, que talvez só fique evidente em tragédias como esta que estamos presenciando.